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Só agora eu percebi que nunca me despedi de você
“Só liguei porque percebi que nunca me despedi de você.”
Uma das falas mais dramáticas do último capítulo da série Mad Men, exibida entre 2007 e 2015. Eu terminei de assisti-la há uma semana.
Na Nova York da década de 60, a “idade do ouro” mostra como as agências de publicidade ganhavam espaço enquanto se desenhavam grandes mudanças sociais e políticas. Feminismo, movimento hippie, manifestações raciais, chegada do homem à lua, guerra do Vietnã e morte de Martin Luther King e John Kennedy.
O sussurro ao telefone é do protagonista Donald Draper, no último contato com sua colega de trabalho, a redatora Peggy Olson, personagem marcante na série. Contratada para ser secretária, ela mostra sua habilidade com as palavras e, mesmo com a resistência masculina, consegue conquistar seu espaço. Aos poucos, claro…
Foi uma das poucas ligações que o egocêntrico Don fez após abandonar o posto de diretor de criação em uma das agências mais promissoras do mercado publicitário. Levou algum tempo até que percebesse a ausência, mesmo sem saber se definitiva, de um “adeus”. Peggy não foi seu par romântico nem sua amiga, mas entrelaçaram silenciosamente uma das relações mais intensas de Mad Men. Foram cúmplices e condescendentes.
Antes de ligar para Peggy, Don ainda disse, de forma áspera, à recepcionista do retiro espiritual em que estava:
— As pessoas aqui vêm e vão, mas ninguém se despede?
Como resposta, foi confrontado a tomar consciência de seu próprio comportamento:
— Desculpe, mas cada pessoa aqui é livre para ir e vir como quiser.
Tomar consciência da falta de um “adeus”, ou de um momento oportuno para isso, desperta sentimentos sorrateiramente dolorosos. A inexistência de um ponto final em uma frase que não se sabe se (e como) continua. A despedida é um parágrafo novo que abre espaço para novas linhas serem esboçadas, mesmo que naquele momento elas não sejam desejadas.
Ir embora é sempre uma opção?
Uma viagem de férias, um intercâmbio de seis meses, um emprego definitivo em outra cidade, um fim no relacionamento… O simples recomeço. A cena mostra o quão duro pode ser confrontar as inevitáveis despedidas. Em compensação, há a liberdade de decidirmos como queremos trilhar nosso caminho.
Certa vez ouvi que quando alguém vai embora, a dor maior é a de quem fica. Porque quem partiu foi quem tomou a decisão. É certo que quem fica sente-se paralisado diante da impossibilidade de fazer algo para mudar o que já está feito, mas nem sempre há arbitrariedade na aparente escolha.
Em uma viagem de ônibus que durou 60 horas, percorridas pelo Chile, Argentina e o sul do Brasil, presenciamos um acidente na estrada. Antes da chegada em terras brasileiras, em um trecho de quilômetros e quilômetros de trajeto em linha reta, um automóvel capotou e caiu em uma espécie de banhado que ladeia a rodovia.
Era um fim de tarde lindo, que já anunciava o espetáculo do pôr do sol no horizonte. O céu azul daqueles que faz a gente pular logo da cama para poder aproveitar cada um de seus raios. Aquele momento fazia com que eu colasse o rosto no vidro da janela do ônibus para contemplá-lo com mais proximidade.
A despedida atravessou a pista e interrompeu nosso caminho. Uma menina e seus pais estavam no carro. Apenas a mãe sobreviveu. O ônibus parou a poucos metros do acidente, enquanto uma longa fila já se formava. Sem saber o que havia acontecido, já reclamávamos do atraso da viagem. Sou avessa a me juntar aos tumultos e os curiosos ocupavam boa parte do asfalto. Mas, logo percebi que havia algo errado e descemos também.
O motorista já voltava, em direção ao nosso ônibus. Os olhos vermelhos e o coração despedaçado. Contou como ajudou a tirar a família da água e a reanimar a garota. Mas, a pequena não resistiu. Nem toda despedida é arbitrária e aquele lindo pôr do sol deixou de brilhar para alguém.
O trem que chega é o mesmo trem da partida
Na estrada, nos deparamos com surpreendentes cenários e são apenas frações do que é a nossa vida. Longa e sinuosa, porém, finita. Nem sempre sabemos qual será o momento, ou se teremos a oportunidade da despedida. Por isso, independente do destino, aproveite a jornada. Antes e após qualquer despedida, desfrute da jornada.
Como o cantarolar de Encontros e Despedidas, música interpretada por Maria Rita: há vida acontecendo nas estações enquanto se desdobram chegadas e partidas. O adeus que se mostra aqui, no agora, representa o futuro desabrochar em algum outro lugar. Para o fictício Don Draper, para a menina e seu pai, para todos nós. São só dois lados da mesma viagem.
Todos os dias é um vai e vem
A vida se repete na estação
Tem gente que chega pra ficar
Tem gente que vai pra nunca mais
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai e quer ficar
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar
E assim chegar e partir
São só dois lados da mesma viagem
O trem que chega é o mesmo trem da partida
A hora do encontro é também despedida
A plataforma dessa estação é a vida desse meu lugar, é a vida…